Amazônia:
Ciclo da Borracha
Lutas,
sonhos e dramas humanos
A Justiça do Seringueiro
Chico Machado
Essas crônicas referem-se ao *ciclo da borracha – primeira parte, e a
ambientação dos fatos é no estado do Acre. Interessante destacar é que passados
aproximadamente 150 anos, a região Amazônica ainda vive da economia dos ciclos
extrativistas. Os governos regionais assim como o Federal não têm criado
alternativas de perenizar as economias da borracha, do minério, da madeira,
através da verticalização. Os governos assim como a iniciativa privada têm tido
um comportamento completamente predatório em relação a essas economias.
No capítulo anterior vimos que Chico Machado pegou seu gordo saldo do
seringal, arrumou as malas e tomou o rumo de casa trazendo consigo a sua
querida filha Rosinha, agora já moça feita.
Apesar da morosidade natural de todo gaiola, a viagem corria bem. O
navio, muito pequeno, tinha poucas acomodações. Além dos camarotes da
oficialidade apenas dois, na popa eram destinados a passageiros e já vinham
ocupados por famílias que também iam para Belém.
Chico Machado não deu cavaco. Além de não suportar o calor, seria
difícil acomodar o corpo gigantesco naqueles beliches. Ele e a filha dormiam
mais à vontade em redes com mosquiteiros, no salão de refeições. Uma senhora
pôs o camarote à disposição de Rosinha, quando quisesse trocar de roupa. No
porto de Manaus desembarcaram. O navio ia demorar um dia, descarregando a
borracha. Chico Machado aproveitou para mostrar a cidade à filha.
Rosinha aproveitou bem aquele dia de primeiro contato com a civilização.
Passeou bastante, foi ao cinema, visitou o Teatro Amazonas e algumas igrejas. À
noite, quando voltou para bordo, sentiu-se mal, com a garganta apertada e um
pouco febril. - Foi o sorvete que você tomou ao sair do cinema. – Disse logo o
pai – Bem não queria eu que você tomasse aquilo!
O imediato do navio, possuindo alguma prática de farmácia, tinha uma
pequena ambulância de medicamentos que atendia a tripulação. Logo preparou a
seringa e aplicou em Rosinha uma injeção antigripal. Muito prestativo,
ponderando a inconveniência da dormida no salão aberto e exposto à ventilação,
ofereceu o seu camarote. Por mais quatro dias, até chegarem ao fim da viagem, ele
passaria a dormir no camarote vizinho, ocupado pelo primeiro maquinista.
A princípio, Chico Machado recusou. Diante, porém, da insistência e boa
vontade do imediato, resolveu aceitar. Mas por prudência, armou sua rede no
passadiço, bem defronte da porta do camarote. No dia seguinte, Rosinha
amanheceu sem febre. Persistia, porém, a tosse. Assíduo no tratamento, o
imediato cumulava-se de gentilezas e cuidados. Além de injeções e xaropes,
conseguiu com o despenseiro duas gemadas para a moça tomar na merenda e à
noite.
Na véspera da chegada a Belém, à tardinha, o navio começou a atravessar
a Bahia de Marajá. Rosinha, quase restabelecida, ficou muito tempo contemplando
o empolgante panorama do rio-mar, imenso lençol líquido, refulgindo aos raios
do sol poente.
Com a mão sobre o ombro da filha, Chico Machado tinha o pensamento
longe, no seringal, na sua barraquinha. De repente, percebeu que Rosinha não
tirava os olhos da torre de comando, que ficava por cima da proa. Guiado pelo
olhar da filha, o instinto paterno logo compreendeu tudo: - de pé´, junto à
malagueta, o imediato dirigia o navio. Só então notou que o oficial era ainda
moço e aquele uniforme branco com botões dourados emprestava-lhe certo ar de
marcial elegância capaz de impressionar.
Nisto, tocou a sineta para o jantar. Por ser o último da viagem, o
cardápio foi melhorado. Chico Machado comeu demais. Sentindo dor de cabeça,
deitou-se mais cedo. Dormiu longo tempo e despertou, alta madrugada, ouvindo
pancadas e uma voz que chamava:
- Senhor imediato...senhor imediato! São três horas! Era um marinheiro,
chamando o oficial para substituir o que estava de quarto. Seguiu-se um ruído
de chave na fechadura. Mas a porta que se abriu não foi a do camarote do
maquinista e sim o de Rosinha. Supondo que a filha quisesse chama-lo Chico
Machado sentou-se na rede e viu, através do mosquiteiro, um homem sair do
camarote, esgueirando-se pelo corredor e subir a escada.
De um pulo o caboclo alcançou a maçaneta da porta, empurrou-a com força
e entrou no camarote. Muito pálida, a fisionomia traduzindo grande aflição,
Rosinha estava sentada no beliche. Assim que viu o pai, começou a chorar. Com a
intuição da experiência, Chico Machado compreendeu tudo. Sem dizer uma palavra,
saiu do camarote como louco e subiu a escada.
O imediato havia mandado o marinheiro buscar uma caneca de café e estava
só. Chico Machado segurou-o fortemente pela gaiola e disse, aproximando bem o
rosto:
- Ah! Bandido! ... Abusaste da minha confiança! Vais ver quanto custa
mexer com filha de homem! Ou casas com ela... ou com esta aqui! Escolhe! ... e
desembainhou a enorme faca que carregava na cintura. Trêmulo de medo, o
imediato mal pôde implorar:
- Não me mate! Eu sou casado, mas, chegando em Belém, dou-lhe
dez...vinte contos de reis. Na escuridão da noite, os olhos do caboclo
cintilaram de cólera. Parecia um jaguar enfurecido. Espumava, rosnando: -
Casado, hein, miserável? E pensas que dinheiro algum paga a honra da minha filha?
Prepara-te para morrer já!
E ergueu a faca. Mas quando ia desferir o golpe,
susteve o braço, refletindo; sorriu sarcasticamente e disse:
- Não, espera um pouco. Tu és tão bandido, que eu
nem quero sujar minha **Parnaiba
com o teu sangue podre!
E, como quem segura uma criança, carregou o oficial, levantou por cima
da amurada e jogou no abismo das águas da baia de Marajó.
Em seguida, foi acordar o comandante e disse:
- Vá tomar conta do seu navio, que está sem piloto!
- Sem piloto, em plena Marajó!. – Exclamou o comandante, aflito. – E
onde está o imediato?
- Se não era bom nadador, deve estar no fundo da baía. Joguei-o lá,
agora mesmo. E relatou todo o ocorrido. Depois de ouvi-lo o comandante disse:
- Agora estou no dever de prendê-lo e entrega-lo às autoridades, logo
que chegarmos a Belém.
Chico machado sorriu tristemente e disse:
- Agora...tudo é indiferente! Durante dez anos, trabalhei e economizei
unicamente para dar a ela alguma instrução. Num só instante, foram-se dez anos
de luta, de sacrifício, de sofrimento...que me importa a cadeia? De que serve a
liberdade sem alegria?
- Mas, o senhor foi precipitado, castigando um crime com outro. Devia me
comunicar o fato e eu tomaria providências. Não confia nas autoridades? Não crê
na justiça? - Perguntou o comandante.
O infeliz caboclo sorriu, desta vez, com ironia, e respondeu:
- Justiça? ...hum! Que jeito me dava a Justiça? Botar aquele bandido na
cadeia? Não adiantava. Olhe “seu comandante, - honra de mulher é que nem vidro
de espelho; rachou uma vez... nunca amais tem conserto! Justiça...já eu fiz!
NOTAS:
* O ciclo da borracha foi
um momento da história econômica e
social do Brasil,
relacionado com a extração de látex da seringueira e comercialização da borracha. Teve o seu centro na região amazônica, e proporcionou expansão da
colonização, atração de riqueza, transformações culturais, sociais,
arquitetônicas, e grande impulso ao crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém,
até hoje capitais e maiores centros de seus respectivos estados, Amazonas, Rondônia e Pará. No mesmo período, foi criado o Território
Federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja
área foi adquirida da Bolívia,
por meio da compra no valor de 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. O ciclo
da borracha viveu seu auge entre 1879 e 1912,
tendo depois experimentado uma sobrevida entre 1942 e 1945,
durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Durante os primeiros quatro séculos e meio do descobrimento, como não
foram encontradas riquezas de ouro ou minerais preciosos na Amazônia, as populações da
hileia brasileira viviam praticamente em isolamento, porque nem a coroa portuguesa e,
posteriormente, nem o império brasileiro conseguiram
concretizar ações governamentais que incentivassem o progresso na região.
Vivendo do extrativismo vegetal, a economia regional se desenvolveu por ciclos
acompanhando o interesse do mercado nos diversos recursos naturais da região. Para
extração da borracha neste período, foi estimulada uma migração de nordestinos,
principalmente do Ceará, pois o estado sofria
as consequências das secas do final do século XIX. O desenvolvimento
tecnológico e a Revolução
Industrial, na Europa,
foram o estopim que fizeram da borracha natural, até então um produto exclusivo
da Amazônia, um produto muito procurado e valorizado, gerando lucros e
dividendos a quem quer que se aventurasse neste comércio.
Desde o início da segunda metade do século XIX,
a borracha passou a exercer forte atração sobre empreendedores visionários. A
atividade extrativista do látex na Amazônia revelou-se de imediato muito
lucrativa. A borracha natural logo conquistou um lugar de destaque nas
indústrias da Europa e da América do Norte,
alcançando elevado preço. Isto fez com que diversas pessoas viessem ao Brasil
na intenção de conhecer a seringueira e os métodos e processos de extração, a
fim de tentar também lucrar de alguma forma com esta riqueza.
A partir da extração da borracha surgiram várias cidades e povoados,
depois foram transformados em cidades. Belém e Manaus, que já existiam,
passaram então por importante transformação e urbanização.[6] Manaus foi a
segunda cidade do Brasil, depois de Campos dos
Goytacazes, no Rio de Janeiro,
a introduzir a eletricidade na iluminação pública, criando viabilidade para a
nova moda, o bonde elétrico.
A produção da borracha desenvolveu grande
parte da Amazônia, incluindo o Departamento de Loreto, no Peru, com capital
em Iquitos.
A maior parte da produção era escoada pelo Rio Amazonas. Manaus ficou
rica com as tarifas alfandegárias. Belém também usufruía da riqueza, pois
várias empresas estrangeiras instalaram-se na região.
Em 1827, foram produzidas 31 toneladas de
látex da borracha. Em 1847, foram 624 toneladas. Por volta de 1870, produzia-se
cerca 6 mil toneladas anuais. Nos anos 1880, eram cerca de 11 mil t anuais. Nos
anos 1890, cerca de 21 mil t anuais. Na primeira década do século 20, cerca de
35 mil t anuais.
Com a grande demanda, os empresários buscavam
alternativas para a borracha amazônica. Outras árvores, que não a seringueira,
eram usadas para a produção da borracha, principalmente a africana Landolphia kirkii, mas nenhuma era
mais produtiva que a Hevea
brasiliensis.
Em 1876, sementes da Hevea brasiliensis foram
contrabandeadas do Brasil para a Inglaterra e cultivadas no Kew Gardens, em
Londres. Depois foram levadas para Sri Lanka e Singapura, então,
colônias britânicas, onde os ingleses desenvolveram um eficiente processo de
cultivo da seringueira. Posteriormente, a seringueira foi espalhada pelo sudeste da Ásia e
outras regiões.
**Parnaíba refere-se a
um tipo de facão que era muito usado pelos baianos na época do ciclo da
borracha.
Fontes: Livro
SAPUPEMA - Contos Amazônicos.- Autor: Jornalista JOSÉ POTYGUAR
Ciclos da Borracha
- Por Jonildo Bacelar
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