quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




Amazonia: Curiosidades

A culpa foi da Sucuri

Essa é uma história de sobrevivência de uma parcela de jovens que são recrutados para servir à sua pátria, a Bolívia e são aquartelados nos mais distantes rincões daquele país como a Base de Orquilla, no departamento do Beni. Esta base naval está situada no departamento do Beni, na confluência do rio Itonamas com o rio Baures (afluentes do rio Guaporé), distante 5 horas de voadeira do município de Costa Marques, estado de Rondônia. 

Para chegar-se até lá o viajante singra uma região de floresta amazônica, cortada por pequenos rios e igarapés. A vegetação é constituída de floresta densa com árvores de grande porte.

O rio que dá acesso a essa base naval é o Itonamas cujas medidas de largura não passam de 10 metros de lado a lado. As suas águas são turvas, a profundidade é pequena mas suporta bem este tipo de embarcação, mormente no período das chuvas. As suas margens brindam o viajante com muitos pássaros e caças de todos os tipos, com maior presença de capivaras e outros animais. 

Ocorrem muitas interrupções na viagem ocasionadas por quedas de galhos de árvores secas. Esse rio é muito utilizado pelos comerciantes bolivianos que se deslocam por ele para fazer compras na cidade de Costa Marques.

Após 5 horas de viagem (motor 25hp), chega-se ao quartel de Orquilla. A chegada é sombria, pois descortina-se uma localidade com ares de isolamento e abandono. A barranca do rio é baixa e as águas são totalmente barrentas em função da movimentação de barcos e voadeiras que ali fazem parada. Alí funciona, além de uma base naval, uma espécie de agencia de cobrança de impostos de importação. Todas as mercadorias que são adquiridas no lado brasileiro ao chegarem ali pagam um tributo. Sim um tributo para a Marinha Boliviana.

As instalações do destacamento são rudimentares, com casas construídas de adobe ou tijolo grande, paredes largas e com acabamento manual. A cobertura das casas é feita de telha de barro e palha e o piso é de chão batido e tijolos não queimados. A iluminação é fornecida por gerador e as arborizações consistem de pés de laranja e limão boliviano (toronja). 

O destacamento é comandado por um tenente e dois sargentos e uns 40 soldados que em espanhol são tratados por soldaditos. Cria-se animais domésticos como gado (ganao), suínos(tantcho), e planta-se milho e mandioca, sendo que o gado é usado para a produção de leite para a alimentação do comandante, bem como dos seus oficiais e suas respectivas famílias, assim como a criação de suínos.

Já o milho e a mandioca são destinados para a alimentação dos soldaditos. Segundo o relato do próprio comandante um certo tempo ele e seu estado maior começaram a dar pelo desaparecimento de pequenos leitõezinhos (tcantitos) ou bacurins para nós aqui no brasil. Determinaram uma investigação e descobriram um leitãozinho na barriga de uma cobra sucuri. Mataram a referida cobra, tiraram o tchantito da barriga da mesma e deram a investigação por encerrada. Na próxima semana, novo sumiço de tchantito.

Aí nova investigação e mais matança de sucuri. Mas dessa vez não encontraram nada na barriga das cobras. Na próxima semana o sumiço continuou e nova investigação foi determinada, mas nada foi encontrado. Aí os investigadores tiveram a curiosidade de verificar nos caldeirões que cozinhavam o milho e a mandioca para os soldaditos e, para surpresa de todos, eis que o leitãozinho estava lá...

A partir daquele dia o comandante da Base da Marinha ficou com mais cuidado nos seus soldaditos mais do que na sucuri. Essa história nos mostra como funcionam as coisas nesses rincões da Amazônia, onde as diferenças culturais são tão grandes quanto as distâncias e essas diferenças são mais expressivas quando atravessamos as fronteiras do Brasil e adentramos os limites dos países vizinhos, como a Bolívia.

Notas complementares:
A Bolívia é o único pais da América Latina que não tem aceso ao mar mas possui a sua Marinha. Até 1825, tinha acesso ao mar, mas foi-lhe negado pelo Chile. No Tratado de 1866 entre o Chile e a Bolívia as partes envolvidas concordaram em uma linha de fronteira que estabelecesse o acesso ao mar para a Bolívia reconhecido pelo Chile. Porém, na Guerra do Pacífico (1879–1883) o Chile venceu o Peru e a Bolívia, e conquistou os territórios bolivianos costeiros. Desde então, a recuperação de sua costa é uma questão de honra. Embora  tenha ficado sem litoral,  desde a Guerra do Pacífico, em 1879, a Bolivia resolveu manter uma pequena Marinha, estabelecendo em janeiro de 1963, uma Força Fluvial para operar em seus rios.
Sucuri - serpente da família dos boídeos (Eunectes murinus ), encontrada do Norte da América do Sul até a Bolívia e Paraguai, de coloração marrom, verde ou olivácea, com grandes manchas pretas arredondadas; é a maior serpente do mundo, podendo alcançar cerca de 10m de comprimento, e vive à beira da água ou mergulhada em rios e lagoas, onde se alimenta de vertebrados de tamanhos variados, que são mortos geralmente por constrição.
Rio Guaporé - O rio Guaporé nasce do encontro do rio Molequerio Sepultura e do rio Lagoazinha na chapada dos Parecis – MT, a 630 metros de altitude. Tem a sua foz no Rio Mamoré, quando esse ingressa em território brasileiro. Sua extensão é de 1716 km, sendo que 1150 km são navegáveis a partir de Vila Bela da Santíssima Trindade (em todo seu percurso no estado de Rondônia, e uma pequena parte de Mato Grosso, onde corre no sentido Leste-Oeste), nesse trecho navegável faz fronteira entre o Brasil (margem norte) e a Bolívia (margem sul).

Nenhum comentário:

Postar um comentário