segunda-feira, 25 de junho de 2018

USINAS HIDRELÉTRICAS


Impactos psicológicos coletivos

Nós os seres humanos passamos a vida em busca de uma tranquilidade psicológica, que é constituída por alguns fatores, como saúde, segurança, alimentação, vida profissional, estabilidade financeira, moradia, vida familiar, vida social e vida espiritual. A intensidade dessa tranquilidade é variável e não depende de percentual dos fatores acima, mas sim, da coexistência de todos esses fatores. Por exemplo: existem pessoas que vivem em absoluta tranquilidade morando em simples casinhas de paredes de barro e cobertura de palha. Algumas pessoas moram em palacetes e tem um nível de tranquilidade muito ruim. Mas existem fatores que poderão quebrar essa tranquilidade, destruindo a estrutura de segurança psicológica, a vida familiar, a vida social, a vida profissional e por fim a saúde mental das pessoas.
Essa é uma prospecção de ficção coletiva, um gênero de pesquisa que nos conduz a mergulhar no íntimo das pessoas quando as mesmas são submetidas a emoções fora dos seus limites. As situações que provocam esses estados de sensações podem ser as mais diversas possíveis, como o anuncio de um incêndio, uma tempestade, uma seca, uma enchente, etc. No caso aqui em análise vamos tratar da construção de uma hidrelétrica.

Na região amazônica, nos últimos trinta anos foram construídas muitas barragens e usinas hidrelétricas. Somente em Rondônia foram construídas as Usinas Samuel, Santo Antônio e Jirau. No Estado do Amazonas a Usina de Balbina. No Pará está sendo construída a Usina de Belo Monte.

Cada obra dessa natureza provoca impactos ambientais que hoje são perfeitamente previsíveis e monitorados. O que não é possível monitorar nesses eventos são os impactos psicológicos causados nas comunidades dos respectivos entornos.

Esses empreendimentos geralmente ocorrem em áreas onde os aldeamentos são quase primitivos, onde a relação dos seres com o meio ambiente é uma relação de pouquíssima intervenção. A sobrevivência das comunidades é baseada no extrativismo, na pesca, na coleta de água da própria superfície da terra, ou seja no leito dos rios ou dos lagos.

As famílias, via de regra, tem uma identificação muito intima com a natureza ao redor. As famílias se alimentam de peixes tirados nos lagos de forma rudimentar; da coleta de frutas em épocas de produção natural; da agricultura de subsistência e complementar com a mandioca, o milho, o feijão, a banana e a batata. Alguns homens caçam algumas espécies unicamente para o consumo. Enfim, essas comunidades sobrevivem sob o menor impacto socioambiental.

Sua relação com a terra é uma relação matriarcal, onde a terra lhes dá tudo o que necessitam para viver. Por outro lado, numa demonstração de intimo amor, assas comunidades oferecem os corpos de seus entes queridos para serem consumidos por essa mesma terra. Com as árvores estabelecem uma relação de proteção, onde essas fornecem sombra para as pessoas e para os animais, bem como umidificação do ar e do solo e o que é melhor; fornecem proteção para os veios de água que correm no subsolo dessas terras.

Com os rios a relação é de uma dependência muito íntima, pois estes proveem o líquido precioso de que necessitam para a sua subsistência, bem como dos seus animais, das suas plantações, a oferta de peixes para suas alimentações e de suas famílias e por último, o transporte para buscarem suprir uma infinidade de necessidades e por último, o ciclo das chuvas.
Essas comunidades desenvolvem uma dinâmica de vida em absoluta sintonia com o rio, com a floresta, com os animais silvestres, com os peixes, e finalmente com o clima que resulta desse ecossistema.
Essas comunidades têm sonhos, tem aspirações, tem desejos, tem vontades, mas certamente nenhuma dessas manifestações está relacionada com essas obras faraônicas pois elas não são capazes de visualizar um cenário tão espetaculoso como a construção de uma monstruosidade que é uma Usina Hidrelétrica.
Essas coisas ficam no espaço das ficções humanas impossíveis, visto que por não serem alcançáveis pelo imaginário individual sua concepção não é construída no imaginário coletivo. E aquilo que o nosso imaginário coletivo não consegue vislumbrar como possível certamente não será construído nem como ficção.
Portanto, é de se imaginar que o anuncio da construção de uma obra dessas, provoca uma torrente de medos, de pavor, de paura, e outros sinônimos, em qualquer comunidade primitiva. O que vem no coração de uma família certamente é o pavor de perder seu pedacinho de terra, sua casa, seu roçado, seu laguinho, seu sossego, seu status social e ambiental, sua relação com a terra, com os animais, com os pássaros, os restos mortais de seus entes queridos, suas lembranças, e principalmente sua identidade sócio-étnica-temporal. A perspectiva da subtração disso tudo causa uma enorme insegurança nas pessoas e provoca uma sensação de vazio nunca mais preenchida.
Afora esses impactos a mente dessas pessoas dispara mecanismos de imaginação de coisas terríveis que poderão acontecer com as vilas, com as cidades e com elas. Dentre essas preocupações ou projeções catastróficas, as pessoas imaginam as águas invadindo as suas vilas e povoados, em grande velocidade de modo a não permitir que possam se retirar com seus pertences, com seus animais domésticos, com seus filhos.  Uma das imaginações mais recorrentes nessas comunidades é a visão de uma cidade flutuante, onde as águas vêm de baixo prá cima e vão arrancando as ruas, as casas, os prédios, as igrejas, as escolas, os hospitais e transformando todo esse material em entulho e espalhando pelo maio dos vilarejos.
Ocorre ainda uma visão terrível que é a das sepulturas dos mortos que são atingidas primeiro por essa torrente de água que traz todos os restos mortais para cima, espalhando ossada por todo lugar. Por outro lado, vem a tona a preocupação com o estouro das fossas caseiras, que terão seus dejetos jogados nas ruas, causando mau cheiro e provocando todo tipo de doenças contagiosas.
E é possível imaginar-se a reprodução de visões bem piores nesse turbilhão de imagens catastróficas, como a contaminação das águas dos poços e reservatórios potáveis da população. Podem aparecer ainda alguns animais silvestres, como jacarés gigantes, andando pelo meio dos escombros procurando restos de cadáveres para devorar e por último, cachorros recolhendo cabeças e outros membros de seus antigos donos.
Este, certamente, é um dos cenários que fazem parte dos impactos psicológicos que assaltam as pessoas moradoras de lugarejos quando descobrem que serão atingidas por alguma barragem. A Visão de cidades flutuantes.



Notas complementares:
Usina Hidrelétrica de Samuel é uma central hidroelétrica no rio Jamari, no município de Candeias do Jamari (a cerca de 52 km ao oeste de Porto Velho), no estado de Rondônia, com uma capacidade geradora instalada de 216 MW. Por não possuir bacia acentuada, o rio Jamari recebeu em seu leito um dique de 57 km de extensão de cada margem para formar o lago da hidrelétrica, neste empreendimento que é considerado um dos maiores erros de engenharia no Brasil no século XX.
A construção da Usina Hidrelétrica de Samuel foi iniciada em 1982 pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (ELETRONORTE). O barramento aconteceu em 1988 e sua operação comercial teve início em 1989, com o total enchimento do reservatório. Destina-se a abastecer o mercado de energia elétrica do Sistema Acre–Rondônia.
A energia elétrica consumida em Rondônia é gerada pela Usina Hidrelétrica Samuel e por um parque termolétrico operado pela Eletronorte e por produtores independentes de energia. Samuel tem potência instalada de 216 MW.
A hidrelétrica foi concebida inicialmente para suprir as cidades rondonienses de Guajará-MirimAriquemesJi-ParanáPimenta BuenoVilhenaAbunã e a capital, Porto Velho. Atualmente, 90% dos 52 municípios de Rondônia são beneficiados com a energia do sistema Termonorte que está interligado com o sistema nacional. Em 20 de novembro de 2002, a capital do Acre, Rio Branco, passou a ser abastecida também com a energia de Samuel. Em maio de 2006, esse sistema foi ampliado, permitindo que a geração térmica do Acre fosse substituída pela hidráulica, proporcionando a substituição da geração a derivados de petróleo. Além de Samuel, a Eletrobras Eletronorte operava a Usina Termolétrica Rio Madeira, que produzia 90 MW, sendo desativada em 2009.
Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a obra foi responsável pela criação de grandes bolsões de miséria na periferia de Porto Velho ao ter ignorado direitos e negado assistência há cerca de 650 famílias de atingidos.

Visite também: istoerondonia.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário