Impactos psicológicos coletivos
Nós
os seres humanos passamos a vida em busca de uma tranquilidade psicológica, que
é constituída por alguns fatores, como saúde, segurança, alimentação, vida
profissional, estabilidade financeira, moradia, vida familiar, vida social e
vida espiritual. A intensidade dessa tranquilidade é variável e não depende de
percentual dos fatores acima, mas sim, da coexistência de todos esses fatores.
Por exemplo: existem pessoas que vivem em absoluta tranquilidade morando em
simples casinhas de paredes de barro e cobertura de palha. Algumas pessoas
moram em palacetes e tem um nível de tranquilidade muito ruim. Mas existem
fatores que poderão quebrar essa tranquilidade, destruindo a estrutura de
segurança psicológica, a vida familiar, a vida social, a vida profissional e
por fim a saúde mental das pessoas.
Essa
é uma prospecção de ficção coletiva, um gênero de pesquisa que nos conduz a
mergulhar no íntimo das pessoas quando as mesmas são submetidas a emoções fora
dos seus limites. As situações que provocam esses estados de sensações podem
ser as mais diversas possíveis, como o anuncio de um incêndio, uma tempestade,
uma seca, uma enchente, etc. No caso aqui em análise vamos tratar da construção
de uma hidrelétrica.
Na
região amazônica, nos últimos trinta anos foram construídas muitas barragens e
usinas hidrelétricas. Somente em Rondônia foram construídas as Usinas Samuel,
Santo Antônio e Jirau. No Estado do Amazonas a Usina de Balbina. No Pará está
sendo construída a Usina de Belo Monte.
Cada
obra dessa natureza provoca impactos ambientais que hoje são perfeitamente
previsíveis e monitorados. O que não é possível monitorar nesses eventos são os
impactos psicológicos causados nas comunidades dos respectivos entornos.
Esses
empreendimentos geralmente ocorrem em áreas onde os aldeamentos são quase
primitivos, onde a relação dos seres com o meio ambiente é uma relação de
pouquíssima intervenção. A sobrevivência das comunidades é baseada no
extrativismo, na pesca, na coleta de água da própria superfície da terra, ou
seja no leito dos rios ou dos lagos.
As
famílias, via de regra, tem uma identificação muito intima com a natureza ao
redor. As famílias se alimentam de peixes tirados nos lagos de forma
rudimentar; da coleta de frutas em épocas de produção natural; da agricultura
de subsistência e complementar com a mandioca, o milho, o feijão, a banana e a
batata. Alguns homens caçam algumas espécies unicamente para o consumo. Enfim,
essas comunidades sobrevivem sob o menor impacto socioambiental.
Sua
relação com a terra é uma relação matriarcal, onde a terra lhes dá tudo o que
necessitam para viver. Por outro lado, numa demonstração de intimo amor, assas
comunidades oferecem os corpos de seus entes queridos para serem consumidos por
essa mesma terra. Com as árvores estabelecem uma relação de proteção, onde
essas fornecem sombra para as pessoas e para os animais, bem como umidificação
do ar e do solo e o que é melhor; fornecem proteção para os veios de água que
correm no subsolo dessas terras.
Com
os rios a relação é de uma dependência muito íntima, pois estes proveem o
líquido precioso de que necessitam para a sua subsistência, bem como dos seus
animais, das suas plantações, a oferta de peixes para suas alimentações e de
suas famílias e por último, o transporte para buscarem suprir uma infinidade de
necessidades e por último, o ciclo das chuvas.
Essas
comunidades desenvolvem uma dinâmica de vida em absoluta sintonia com o rio,
com a floresta, com os animais silvestres, com os peixes, e finalmente com o
clima que resulta desse ecossistema.
Essas
comunidades têm sonhos, tem aspirações, tem desejos, tem vontades, mas
certamente nenhuma dessas manifestações está relacionada com essas obras
faraônicas pois elas não são capazes de visualizar um cenário tão espetaculoso
como a construção de uma monstruosidade que é uma Usina Hidrelétrica.
Essas
coisas ficam no espaço das ficções
humanas impossíveis, visto que por não serem alcançáveis pelo imaginário
individual sua concepção não é construída no imaginário coletivo. E aquilo que
o nosso imaginário coletivo não consegue vislumbrar como possível certamente
não será construído nem como ficção.
Portanto,
é de se imaginar que o anuncio da construção de uma obra dessas, provoca uma
torrente de medos, de pavor, de paura, e outros sinônimos, em qualquer
comunidade primitiva. O que vem no coração de uma família certamente é o pavor
de perder seu pedacinho de terra, sua casa, seu roçado, seu laguinho, seu
sossego, seu status social e ambiental, sua relação com a terra, com os
animais, com os pássaros, os restos mortais de seus entes queridos, suas
lembranças, e principalmente sua identidade sócio-étnica-temporal. A
perspectiva da subtração disso tudo causa uma enorme insegurança nas pessoas e
provoca uma sensação de vazio nunca mais preenchida.
Afora
esses impactos a mente dessas pessoas dispara mecanismos de imaginação de
coisas terríveis que poderão acontecer com as vilas, com as cidades e com elas.
Dentre essas preocupações ou projeções catastróficas, as pessoas imaginam as
águas invadindo as suas vilas e povoados, em grande velocidade de modo a não
permitir que possam se retirar com seus pertences, com seus animais domésticos,
com seus filhos. Uma das imaginações
mais recorrentes nessas comunidades é a visão de uma cidade flutuante, onde as
águas vêm de baixo prá cima e vão arrancando as ruas, as casas, os prédios, as
igrejas, as escolas, os hospitais e transformando todo esse material em entulho
e espalhando pelo maio dos vilarejos.
Ocorre
ainda uma visão terrível que é a das sepulturas dos mortos que são atingidas
primeiro por essa torrente de água que traz todos os restos mortais para cima,
espalhando ossada por todo lugar. Por outro lado, vem a tona a preocupação com
o estouro das fossas caseiras, que terão seus dejetos jogados nas ruas, causando
mau cheiro e provocando todo tipo de doenças contagiosas.
E
é possível imaginar-se a reprodução de visões bem piores nesse turbilhão de
imagens catastróficas, como a contaminação das águas dos poços e reservatórios
potáveis da população. Podem aparecer ainda alguns animais silvestres, como
jacarés gigantes, andando pelo meio dos escombros procurando restos de
cadáveres para devorar e por último, cachorros recolhendo cabeças e outros
membros de seus antigos donos.
Este,
certamente, é um dos cenários que fazem parte dos impactos psicológicos que
assaltam as pessoas moradoras de lugarejos quando descobrem que serão atingidas
por alguma barragem. A Visão de cidades flutuantes.
Notas complementares:
A Usina Hidrelétrica
de Samuel é uma central hidroelétrica no rio Jamari, no
município de Candeias do Jamari (a
cerca de 52 km ao oeste de Porto Velho), no estado
de Rondônia, com uma
capacidade geradora instalada de 216 MW. Por não possuir bacia acentuada,
o rio Jamari recebeu em seu leito um dique de 57 km de extensão de cada
margem para formar o lago da hidrelétrica, neste
empreendimento que é considerado um dos maiores erros de engenharia no Brasil
no século XX.
A construção da Usina
Hidrelétrica de Samuel foi iniciada em 1982 pelas Centrais Elétricas do Norte
do Brasil S.A (ELETRONORTE). O
barramento aconteceu em 1988 e sua operação comercial teve início em 1989, com
o total enchimento do reservatório. Destina-se a abastecer o mercado de energia
elétrica do Sistema Acre–Rondônia.
A energia elétrica consumida
em Rondônia é gerada pela Usina Hidrelétrica Samuel e por um parque
termolétrico operado pela Eletronorte e por produtores independentes de
energia. Samuel tem potência instalada de 216 MW.
A hidrelétrica foi concebida
inicialmente para suprir as cidades rondonienses de Guajará-Mirim, Ariquemes, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Vilhena, Abunã e a
capital, Porto
Velho. Atualmente, 90% dos 52 municípios de Rondônia são beneficiados com a energia
do sistema Termonorte que está interligado com o sistema nacional. Em 20
de novembro de 2002, a capital do Acre, Rio Branco, passou a
ser abastecida também com a energia de Samuel. Em maio de 2006, esse sistema
foi ampliado, permitindo que a geração térmica do Acre fosse substituída pela
hidráulica, proporcionando a substituição da geração a derivados de petróleo.
Além de Samuel, a Eletrobras Eletronorte operava a Usina Termolétrica Rio
Madeira, que produzia 90 MW, sendo desativada em 2009.
Segundo o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), a obra foi
responsável pela criação de grandes bolsões de miséria na periferia de Porto
Velho ao ter ignorado direitos e negado assistência há cerca de 650 famílias de
atingidos.
Visite também: istoerondonia.com
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